Sem medo do arco-íris: um ano depois, uma nova realidade para quatro famílias nordestinas

A nova realidade de quatro famílias de Riachos das Almas, em Pernambuco, após a construção de cisternas em seus terrenos para a coleta de água da chuva

Desde o domingo de páscoa de 2017, dia 16 de abril, quatro famílias de Riacho das Almas, no agreste pernambucano, viram sua vida mudar: cada uma recebeu uma cisterna de 16 mil litros para coletar e armazenar água de chuva. O projeto Água para Vidas, da ONG Habitat para a Humanidade Brasil, contou com a participação de 11 voluntários, incluindo alunos de Engenharia Ambiental do Centro Técnico Científico da PUC-Rio (CTC/PUC-Rio). Agora, um ano depois, um novo contato com as famílias foi feito para mostrar os impactos positivos desta mudança.

Riacho das Almas é um município com cerca de 18 mil habitantes, segundo o IBGE, e fica aproximadamente a 140km de Recife, capital de Pernambuco. Com renda per capita de R$ 1.221,41, 30% das famílias (por volta de 1.350) não têm água encanada em casa e dependem unicamente de caminhões-pipas que trazem água salobra (mais salgada do que a água doce, mas menos do que a do mar) para as atividades do dia a dia, como cozinhar, tomar banho, lavar louça, lavar roupa e, claro, o consumo diário, além do trabalho no campo.

Sara Cardoso da Silva, com seu filho Carlos Henrique no colo e seus pais Maria de Fátima e Vicente, em 2017, logo após a construção da cisterna
                                            

Ao conversar com as quatro famílias, todas foram unânimes em afirmar: “Foi uma benção de Deus. Mudou tudo.”. O “tudo” significa um sono melhor, não ir atrás do carro pipa à meia-noite, não andar 2h para pegar uma água verde e não tratada, não ficar com medo de não chover, garantir água para a plantação e até mesmo poder ajudar a quem ainda não tem uma cisterna. As famílias beneficiadas pelo projeto também participaram de cursos de Gerenciamento de Recursos Hídricos para se capacitarem para o armazenamento e uso adequado da água e manutenção da cisterna.

A realidade das famílias contempladas é igual à de tantas do agreste nordestino: todos são agricultores para consumo próprio (milho, feijão, abóbora etc.), alguns contam com o Bolsa-Família, o estudo foi logo substituído pelo trabalho e nunca sequer saíram de Riacho das Almas. Ao serem beneficiadas, as famílias fizeram questão de enviar cartas para os voluntários, mostrando o quanto estavam agradecidas pela ajuda.

Maria Glicélia Alves, de uma das famílias atendidas, escreveu uma carta para agradecer pela cisterna
                                                                                     

Tudo começou em uma aula na PUC-Rio, em 2016, quando o Prof. José Araruna, do curso de Engenharia Ambiental, levou uma ex-aluna para contar sua experiência na construção de cisternas para famílias do Nordeste. Os alunos se mobilizaram, deram início a um crowdfunding da “juntos com vc” (que só aceita financiamento coletivo de projetos sociais) e, em um mês, conseguiram arrecadar mais de R$ 57 mil para o projeto, coordenado pela Habitat Brasil.

O projeto Água para Vidas foi lançado em 2012 para beneficiar famílias rurais, vivendo em extrema pobreza no semiárido nordestino, sem acesso a água, com a construção de cisternas para armazenamento de água potável e reparo/aumento de telhados para captação de água de chuva. Até o momento, cerca de 2000 pessoas já foram atendidas em 15 municípios do interior de Pernambuco. “Nós priorizamos o atendimento a famílias lideradas por mulheres, e com crianças, idosos e/ou pessoas com problemas de saúde e deficiências morando na casa. Mas o principal critério é que sejam famílias em área rural, sem acesso a água, que recebam até 2 salários mínimos de renda familiar mensal”, explica Mohema Rolim, Gerente de Programas da Habitat para a Humanidade Brasil e responsável técnica pelo projeto. “A mudança na qualidade de vida para as famílias é imediata. Não podemos conceber que milhares de famílias ainda carecem de acesso a este direito humano mais básico”.

As famílias selecionadas ano passado em Riacho das Almas colaboraram cavando buracos de 3,4m de diâmetro por 1,8m de altura para a instalação das cisternas. Em oito dias, os 11 voluntários puseram a mão na massa, contaram com o prefeito para fazer o transporte do aeroporto de Recife para Riacho das Almas (na ida e na volta) e vivenciaram uma experiência única, inesquecível: “Eu voltei outra pessoa. Assim como as famílias certamente não serão mais as mesmas que foram até hoje”, ressalta a engenheira Stephanie Caplan.

O pequeno Carlos Henrique da Silva, hoje com um ano e dois meses, e que vive com seus pais e avós maternos, já cresceu sem saber desta carência. Considerada uma região muito pobre, a falta d’água, no entanto, não resulta em tristeza. Pelo contrário: “Foi uma lição de vida: todas as famílias nos ofereciam ajuda, um bolo e sempre com uma simpatia, um sorriso estampado no rosto”, revela Stephanie Caplan, aluna de Engenharia Ambiental da PUC-Rio na época do projeto e formada desde o final do ano passado.

Um ano depois, Carlos Henrique, já crescido, confirma o quanto a cisterna foi importante para o seu desenvolvimento
Ela conta ainda que, durante a obra, comemorou um bonito arco-íris que apareceu no céu. Gilberto Cardoso da Silva, do alto dos seus 46 anos e um dos moradores beneficiados com a cisterna, lamentou: “Arco-íris é sinal de que não vem chuva”. Hoje, como Stephanie, ele confirma que consegue admirar sem medo a beleza que a natureza lhe mostra.
quarta-feira, 16 de maio de 2018
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